Jardim do Éden
Viver no Paraíso, ou ter um por perto, é um desejo universal. E de quantas formas, cores, cheiros, modas e crenças, foi criado o Éden do século 20?
Anos 10 Belle Époque: São Paulo vivia a belle époque. A França estava presente no cotidiano da burguesia paulista. Falava-se francês com desenvoltura e o sotaque estava em tudo: na alimentação, material de construção, arquitetura, moda, vegetação e até na estética urbana. Em 1911, o prefeito Raymundo Duprat pediu ao arquiteto Bouvard, então diretor honorário de arquitetura e planos de Paris, sugestões para "melhoramentos" a serem implantados no Centro de São Paulo, no mesmo período em que Law Olmsted concebia o Central park em Nova York. Bouvard sugeriu a construção de dois grandes parques: O Parque do Anhangabaú e o Parque D. Pedro II, introduzindo a arrojada concepção de um jardim inglês, habilmente integrado a paisagem natural da área central da cidade. No Rio de Janeiro, três anos antes, Pereira Passos, propunha um grande plano de “embelezamento” da cidade: Abertura da Avenida Central, hoje Rio Branco, Avenida Beira Mar, Clube de Regatas de Botafogo, lagos, mirantes e chafarizes, sempre inspirados em padrões franceses de desenhos mais ortodoxos, talvez para se contrapor a irreverente vegetação tropical. São Paulo, sem esse compromisso, por não desfrutar de tanta intimidade com a natureza, soltava um pouco as curvas no traçado e mesclava, com liberdade, palmeiras, guaimbês, quaresmeiras e cássias com plátanos, coníferas, roseiras, muitas roseiras e buxinhos. Os jardins residenciais, que se estendiam na Av. Paulista e em Higienópolis, ao contrário dos públicos, eram mais comportados em seus canteiros formais, mas sempre misturando plantas nativas com exóticas.
Anos 20 Semana de 22 na Avenida Paulista: Nos anos 20, os bem cuidados jardins paulistanos compartilhavam magnólias brancas com camélias e manacás, o chão forrado com hera e bordaduras de violetas perfumadas, que muitas vezes iam parar nas lapelas de homens de bem com a vida. Sebes nas fachadas e, as pérgulas e terraços cobertos com jasmins ou glicínias ás vezes alguns vasos de begônia, avenca e tinhorão. As jabuticabeiras, quase sempre presentes, eram um patrimônio que se levava com a mudança para a casa nova. As palmeiras reinavam absolutas dentro de casa, em halls generosos e jardins de inverno.
Anos 30 São Paulo, uma bela cidade: O projeto de Bouvard, consolidado nos anos 30, confere a São Paulo seu momento de maior perfeição estética. Gregori Warchavchik inaugura a primeira Casa Modernista, com jardins de Nina, sua esposa, que, na contramão do estilo vigente, utilizou dracenas, agaves, iúcas e cactus, que projetavam seus contornos esculturais nas paredes retas e brancas. A essa época, Agache realizava no Rio os jardins da Praça Paris, com amendoeiras, fícus retusa, e topiarias, enquanto Burle Marx começava a introduzir suas ideias vanguardistas, propondo o uso de vegetação nativa, num traço ainda tímido, quase ingênuo, apresentando ao mundo o “jardim brasileiro”.
Anos 40 Flores e Hollywood: A guerra deixa os jardins como estão, convivendo lado a lado o gosto conservador com a excentricidade das novas ideias. As azaleias, começam a colorir o Jardim Europa, todos os invernos de fúcsia, e as hortênsias tingiam os verões de azul. Os gladíolos, a grande novidade, em novas cores, enfeitavam os casamentos. Presenteava-se a namorada com ervilhas de cheiro, em caixinhas forradas com papel florido e, para arrasar, orquídeas, tão raras e especiais, que faziam qualquer mulher se sentir Rita Hayworth, em Gilda.
Anos 50 Automóveis no pós-guerra: A década de 50 inaugura o mito São Paulo Não Pode Parar, que autoriza o início do processo de destruição da cidade. Os dois belos parques do Centro dão lugar ao Plano de Avenidas, de Prestes Maia, e a cidade procura até os dias de hoje sua identidade no leito das ruas, num completo abandono dos espaços públicos. A comemoração do IV Centenário nos dá o Parque Ibirapuera, com projeto de Oscar Niemeyer e vegetação de Manoel Teixeira Mendes, que continua sendo nossa melhor e mais utilizada área de lazer. As casas ganham jardim interno com filodendros, dracenas e seringueiras nos vasos da sala, e os espaços externos começam a receber influências dos paisagistas americanos, como Garrett Eckbo e Thomas Church, com piscinas em forma de ameba, lajeados de pedra com junta de grama e churrasqueiras.
Anos 60 Brasília e Tropicália: Os novos baianos enrolam nossos cabelos nas samambaias penduradas em correntes, em momentos de desajeito nos almofadões. Lucio Costa leva o eixo monumental que Le Nôtre estendeu em Versailles, para o Planalto Central, e Burle Marx exibe sua genial modernidade nos belíssimos jardins dos ministérios, em desenho absolutamente novo e surpreendente.
Anos 70 Calçadão e Cachepô: As ondas do Calçadão de Copacabana inauguram a década de 70, e as calçadas paulistas começam a receber o equívoco dos vasos de concreto com plantas semimortas, na tentativa de “humanizar” a cidade. Os arquitetos propõem os coquetéis de plantas, as jardineiras nas janelas e jardins até debaixo das escadas.
Anos 80 Ecologia: As plantas entram definitivamente dentro das casas na década de 80, na forma de árvores invadindo as salas, terraços de apartamentos, banheiros e janelas da cozinha. É o momento dos fícus, sheffleras, árvores da felicidade e muitos vasos nas estantes. Pedras grandes e pequenas com cycas e thujas-jacaré inauguram o gosto pelo jardim japonês. Os movimentos ecológicos se solidificam e, definitivamente, os jardins estão na moda.
Anos 90 Tendências e essências: A natureza é atropelada na década de 90 na busca desesperada de tendências efêmeras, reforçada pelo amadorismo que toda nova matéria agrega. Jardim tropical, jardim oriental, jardim “clean”, jardim de ervas, plantas esculturais, Giverny, buxinhos podados, Phoenix, pândanos e bambus invadindo restaurantes e salas, bromélias em profusão, cactos e até bananeiras; assumir os trópicos também está valendo! Não há tempo para um jardim crescer com tantos e rápidos movimentos. Um passeio pelo Aterro do Flamengo, que levou 30 anos para desabrochar a sua exuberância madura, e a cada estação do ano nos presenteia com novas floradas, nos dá o caminho para o próximo milênio, um retorno à essência, ao mínimo e ao substancial. A natureza está acima dos modismos. O Jardim do Éden é intemporal.
La primavera o el Paraíso terrenal, de Nicolas Poussin
óleo sobre tela, c.1660/1664 Paris, Louvre
texto Isabel Duprat